30/11/2010

Abdicação

Toma-me, ó noite eterna, nos teus braços
E chama-me teu filho.
             Eu sou um rei
Que voluntariamente abandonei
O meu trono de sonhos e cansaços.

Minha espada, pesada a braços lassos,
Em mãos viris e calmas entreguei;
E meu ceptro e coroa, - eu os deixei
Na antecâmara, feitos em pedaços.

Minha cota de malha, tão inútil,
Minhas esporas, de um tinir tão fútil,
Deixei-as pela fria escadaria.

Despi a realeza, corpo e alma,
E regressei à noite antiga e calma
Como a paisagem ao morrer do dia.

Fernando Pessoa

com a devida vénia, de POEMAS DE FERNADO PESSOA, Selecção, prefácio e posfácio de Eduardo Lourenço, Visão/JL, Fevereiro de 2006

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